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domingo, 20 de novembro de 2016

Rastro de Pluma: Haikai e Tankas de Jiddu Saldanha

"Rastro de Pluma" é um livro de haicais e tankas, escritos de forma livre, por Jiddu Saldanha, apreciador da literatura japonesa aclimatada ao estilo brasileiro, Jiddu é um velho militante da forma fixa haicai e tanka. Estudou tankas com Mitsuko Kawai e o Haicai, aprendeu na prática cotidiana, mas nutre grande admiração pelo mestre Paulo Franschetti, de quem jiddu não ousa se julgar discípulo, embora o admire tanto.
Com prefácio de Ricardo Silvestrin e Quarta Capa de Mário Pirata, "Rastro de Pluma" é o segundo livro de Jiddu Saldanha. Compre com o próprio autor.

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 Poesia transnacional
(Ricardo Silvestrin)

                Aqui, está o refinamento de uma poesia que só pode nascer de um profundo silêncio. Não por acaso, o poeta Jiddu é um dos grandes mímicos do Brasil. O que é um mímico senão um maestro do silêncio? E, como tal, ele sabe reger dois tipos diferentes nesse livro: o haicai e o tanka. Num dos haicais:

descobrimento –
tudo já estava ali
na paisagem

                Basta ver para descobrir. Mas ver não é tarefa fácil. É preciso tirar da frente dos olhos as palavras, o rio de pensamentos ruidosos que nos cega. Não é preciso acrescentar discurso, muita subjetividade ao que já está ali. 

                Olha só:

Dia de calmaria –
os barcos descansam
da pescaria

                Essa festa silenciosa do olhar percorre todos seus haicais. Mas, atentem, silêncio aqui é diferente de introspecção. O haicai capta o que está fora do poeta. Melhor seria chamar, se houvesse o termo, exospecção. 
                A paixão por esse pequeno poema que nasceu no Japão há mais de quatrocentos anos segue viva e cultuada no mundo inteiro. Mas há uma outra forma da poesia clássica japonesa: o tanka. É nela que Jiddu vai beber para nos trazer outro tipo de silêncio, agora sim o da introspecção. 
                Veja esse:

foi assim que a vida
se apresentou para nós
em meio à fumaça

um tempo de vozes confusas
silêncios mal interpretados

                No tanka, o mundo nebuloso da subjetividade está presente. Mas, mesmo assim, a cultura japonesa não fez disso um poema verborrágico. É ainda silêncio, mesmo que mal interpretado. De novo, nosso poeta-mímico, aquele que é capaz de interpretar o silêncio.
                Com esses tankas, Jiddu traz uma grande contribuição para a nossa literatura. É uma sequência de trinta excelentes poemas. Não há muitos praticantes entre nós dessa forma que tem no Japão nomes como Takuboko Ishikawa e Machi Tawara. Lembro de uma bela sequência de tankas de Borges. Dos poetas brasileiros que conheço, li tankas esporádicos, não um conjunto forte, sensível e bem acabado como esse.

                Mais um:

de onde vem 
este medo de perder tudo?
não temos nada...

os pássaros ainda cantam 
e todas as manhãs estão intactas

                A consciência de que não temos nada, zen budista, anima tanto o haicai quanto o tanka. É essa comunhão mais profunda, filosófica, que une os praticantes das duas formas poéticas japonesas, como uma transnacionalidade espiritual, pelo mundo afora. Em cada uma dessas formas, o poeta, como o pássaro nesse tanka do Jiddu, "diz de seu instante":

o pássaro que canta 
nesta manhã tão fria e úmida
diz de seu instante

as folhas estremecidas 


lamentam o frio do outono